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sábado, 10 de setembro de 2011

o verdadeiro romance de Helena kolody - orgulho..meu parente

POEMAS INÉDITOS DE HELENA KOLODY


Durante alguns meses, em 1966, amigas comuns de meu pai, o escritor Herbert Munhoz van Erven (1908-1985), e de Helena Kolody (1912-2004), em visitas freqüentes a nossa casa, reaproximaram espiritualmente os dois, pela troca de poemas. Tenho em meu poder alguns deles, escritos por Helena, que transcreverei mais adiante, por terem permanecido inéditos até agora. Fazem parte de um livro que ela preparou, “Appassionata”, destinado a ser póstumo, cujos originais, que cheguei a ver, seriam confiados a seu médico particular, segundo Helena mesma me disse.

São poemas dedicados a meu pai (referido na dedicatória pelas iniciais que ele adotava- H.M.v.E.), que foi seu noivo por dois meses, em 1945, três anos antes dele se unir a minha mãe. Tinha então 37 anos, e ela 33. No ano anterior, meu pai lançara seu livro de maior repercussão, “Lisímaco”, considerado pelos autores da antologia ”Letras Paranaenses” como uma das duas melhores biografias já escritas no Paraná (a outra seria “Emiliano”, de Erasmo Pilotto). Talvez devido àquela repercussão mesma, Herbert tenha sido convidado à sessão do Centro de Letras do Paraná onde os dois se conheceram. E desse encontro nasceria o seu curto mas intenso relacionamento.

Ficaram noivos em 16 de abril, dia do aniversário dele. Nesse mesmo dia, segundo meu pai, ocorreu o casamento de Olga, irmã de Helena, com o astrônomo chileno Carlos Muñoz Ferrada, então residente em Curitiba. O aniversário/noivado foi comemorado na residência dos pais de Herbert, que moravam pouco acima do Círculo Militar de Curitiba.

O noivado só durou dois meses. Por que acabou?

A explicação está intimamente relacionada à psicologia de Herbert e seu comportamento boêmio, próprio do meio social que freqüentava, formado por jornalistas, escritores e artistas.

Meu pai tinha uma personalidade muito suscetível e peculiar. Qualquer observação, feita ao acaso, poderia lhe atingir profundamente. Uma vez por exemplo o escritor Raul Gomes (mais velho, de uma geração anterior) fez um comentário que ele não gostou, em que o advertia (certamente pelo seu comportamento boêmio) sobre os cuidados que deveria ter ao se relacionar com Helena, “que era uma florzinha”, uma pessoa muito sensível e delicada. Helena, nessa época, já lançara seu primeiro livro (“Paisagem Interior”, de 1941) e tinha muitos “donos”, admiradores de sua poesia. Isso devia conflitar com o amor possessivo e superprotetor de meu pai, que exigia exclusividade nesse campo... Mas boa parte dos admiradores de Helena era formada pelas suas alunas e ex-alunas da Escola Normal...
Por outro lado, havia a questão do comportamento boêmio. Herbert passava muitos dias sem sair de casa, lendo e escrevendo. Mas quando saía, e se reunia com seus amigos do meio jornalístico e literário (gente que bebia muito naquele tempo, quando ainda prevalecia um certo espírito romântico na profissão), era inevitável que se excedesse na bebida, o que certamente causou problemas no relacionamento do casal.

Assim, em decorrência desses fatores, o casal resolveu desfazer o noivado. Mas eles permaneceriam bons amigos, inclusive trocando correspondências sobre assuntos literários.

Apesar da separação, contudo, Helena continuou amando-o. Segundo ela me disse, ele foi o seu grande (e único) amor...

Na seqüência constam alguns poemas escritos para ele, aqui divulgados pela primeira vez.

O primeiro deles bem reflete a concepção cristã do mundo adotada por Helena, e também por meu pai:


LUZ DO AMOR ETERNO

Raio de luz a transpassar-me,
É Deus que te ama em meu amor.

E te ama dum amor tão alto e tão profundo
Que não quis encerrá-lo
Na argila perecível deste mundo.

Plasmou-me em carne, apenas
Para formar o coração.
E foi preciso transformar em asas
Os braços carinhosos.

Mas no tempo imarcescível
Da ressurreição,
Nossas almas,
Duas centelhas puras, palpitarão unidas
No mesmo Eterno Amor.

A propósito do poema acima, Helena escreveu: é “lembrança de 9-4-45. Remembrança também de uma sexta-feira santa, em 45, 30-3”. As datas marcam certamente eventos importantes para eles, cujo significado todavia desconheço.

O poema seguinte, escrito em 28-29/03/1966, é réplica a um outro, de meu pai, composto de várias quadras, em que ele lembra um dos encontros que tiveram, numa tarde chuvosa e fria, referindo-se aos seus cabelos louros, encrespados, e à capa azul que ela então usava. No final, afirma que se sublimou em fraterno aquele amor que sentiu...


CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Mar ignorado sou,
Amado meu,
Mar ignorado,
Ilha intocada.

Meu amigo, meu irmão:
-- Por que se inquieta o teu coração,
A arder em zelos?

Guardo meu lírio para o jardim eterno.
Conservo minha lâmpada acesa.

-- Como és sábio meu amado,
Como és culto e inteligente!

Águia entre os falcões
É o meu amado entre os homens.

-- Por que se inquieta o teu coração
E se consome em ciúmes?

Su’alma beijou a minha
Num longo olhar de amor.
Gravei seus olhos em meu coração.

A eternidade teceu entre nós
Sua tênue trama de ouro.
Quem poderá separar
Su’alma da minha?

Meu amigo, meu irmão:
-- Por que se inquieta o teu coração?

Meu amado é como um pinheiro
Na outra margem do rio.
De longe lhe envio minhas canções
Banhadas de lua cheia.

E meu amor é lua, é pássaro e canção.

-- Por que se inquieta o teu coração?

Os poemas abaixo são de alguns meses mais tarde:

Quando leio teu nome
bóiam as letras
nas minhas lágrimas.

Mendiga,
busco o vestígio de teu olhar
nos olhos que te fitaram.


Quando leio teu nome
as letras cintilam, tremem:
estrelas boiando em lágrimas. 15.06.66



ILUMINURA

Um “H” em ouro e púrpura.
Iluminura de sonho
No missal do coração.
18.06.66



REPUXO ILUMINADO

Em hastes de cristal,
Irisadas flores d’água
Crescem efêmeras
17.07.66


O poema transcrito a seguir foi intitulado “PARA A ‘APPASSIONATA’” (o livro destinado a ser póstumo), e está datado de 19.07.66:


Vivo como se dormisse
A sonhar contigo
Para sempre.

O mundo é um rumor longínquo
De mar em ressaca
A quebrar-se nas amuradas
Do meu castelo sem pontes.


Por fim, guardo ainda cópia do poema seguinte, não datado mas pertencente à mesma época, como indica o primeiro verso:


SAUDADE

Há vinte anos não ponho nos teus olhos,
numa carícia azul, o meu olhar.
Nunca mais tuas mãos fortes e esguias,
aquecerão as minhas.
A saudade, esta aranha tecedeira,
arma, de novo, o nhanduti do sonho
com o mesmo fio de outrora.
E a alma se enreda na trama sutil,
como se fosse agora.


Como já disse alguém, as histórias de amor mais belas são aquelas do amor que não se realizou...
OBS- informações sobre a vida e a obra de Herbert Munhoz van Erven constam em http://hmve.blogspot.com

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